O surrealismo
hoje no cinema já não é mais tão frequente e claro quanto era antes nas décadas
de 20 e 30, porém vários filmes contemporâneos ainda contêm elementos e
manifestações que remetem ao movimento. Um deles é Donnie Darko (2001), em que o personagem principal é um adolescente
de 17 anos com problemas emocionais e distúrbios psicológicos não muito
distantes de esquizofrenia. A trama começa na noite em que, inexplicavelmente,
uma turbina de avião cai diretamente sob seu quarto. Ele escapa por pouco da
morte e começa a ter visões de Frank, um coelho com uma aparência pertubadora,
que tem a altura de um ser humano.
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Donnie Darko |
O mesmo predita a data do fim do mundo (que
seria nada mais nada menos que 28 dias depois) e Donnie a partir disso segue
pistas para saber mais sobre o mistério do tempo, da vida e da morte. O diretor Richard
Kelly não deixa afundar nos clichês de um drama juvenil. Ao invés disso, faz um
retrato realista da classe média norte-americana intercalado com cenas surreais,
abordando a viagem temporal. Donnie Darko
é um quebra-cabeça e pode ser interpretado sob diferentes formas, pois por mais
que o diretor tenha exposto suas explicações a respeito do assunto, deixou
brechas para nossa interpretação pessoal. Somos levados a nos perguntar, por
exemplo, se as visões de Donnie são consequentes de sua paranóia ou se ele está
de fato vivendo tudo aquilo. É recheado de elementos subliminares, conexões
entre personagens e teorias metafísicas. O filme não segue uma estrutura linear, e
assim faz com que o espectador viaje pelas vozes, músicas, significados e
formas (como projetções aquosas que saltam do peito de Donnie), que transmitem sentimentos
tristeza, desconforto e angústia. Não foi um sucesso de bilheteria, mas acabou
sendo muito bem avaliado pela crítica mundial e entrou para o hall dos filmes
cult.
Império dos Sonhos (2006) é o mais
recente, e talvez mais perturbador, trabalho do cineasta David Lynch, que é
conhecido por trabalhar com o surrealismo. Foi apresentado no Festival de
Veneza no mesmo ano em que foi lançado e Lynch foi premiado com um Leão de Ouro.
Ao ser questionado sobre do que se trata o filme, ele responde apenas: “é a
história de uma mulher com problemas”. Laura Dern interpreta Nikki, que embora
casada com um magnata, está em baixa. Ela finalmente consegue um papel de
prestígio, mas a produção é uma refilmagem de um roteiro polonês que não chegou
a ser concluído. Era supostamente amaldiçoado, pois o casal de protagonistas
foi assassinado. O mesmo fado é destinado à Nikki ao
se envolver e ter um caso com Devon (Justin Theroux), seu parceiro de cena.
Ela começa a se confundir com sua personagem e se
desdobra também numa prostituta casada com um homem abusivo. O diretor
expõe na tela devaneios que margeiam o limite entre a sanidade e a loucura.
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Império dos Sonhos |
É dispensado noções estabelecidas de sentido e narrativa e
propõe que sejam buscados não por meios racionais, mas por intermédio de
sensações e impressões. Ele deixa à critério do espectador as conclusões
sobre a obra, entretanto procurar uma explicação racional para cada detalhe é
diminuir uma experiêcia metafísica que o filme pode proporcionar. Como não
havia um roteiro pronto, ele e os atores trabalhavam conforme a inspiração que
ia aflorando no momento. Esta, por mais que fosse desconexa com o que já havia
feito, depois conseguia de algum modo se unir com as demais. Assim, se torna
uma experiência ainda mais extrema que seus filmes anteriores (Cidade dos Sonhos e Estrada Perdida) e que de maior dificuldade para compreensão do
público. Afinal, nem mesmo o Lynch sabe ao certo
quantos personagens a atriz Laura Dern interpretou.
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De Olhos Bem Fechados |
Kubrick também utiliza alguns elementos surrealistas. Ele conta em seu último filme – logo depois do lançamento o diretor veio a falecer – De Olhos Bem Fechados (1999) a história de Bill Harford (Tom Cruise), que é casado com a curadora de arte Alice (Nicole Kidman). Ambos vivem o
casamento perfeito até que, logo após uma festa, Alice confessa que sentiu
atração por outro homem no passado e que seria capaz de largar Bill e sua filha
por ele. A confissão deixa o protagonista abaladado. Sem rumo, sai pelas ruas de Nova York assombrado com a
imagem da mulher nos braços de outro. Em busca de uma aventura sexual, ele
acaba em meio a uma reunião secreta em uma mansão afastada, onde ocorriam grandes
orgias. A partir do momento em que o culto começa, instaura-se uma atmosfera
surrealista, principalmente pela música, pelo cenário de cores fortes e as
máscaras enigmáticas, que transmitem juntamente aos corpos nus a luxúria e os outros sentimentos que a envolve.
Entretanto, não foi o primeira obra deste diretor a conter elementos do
movimento artístico em questão. O
Iluminado (1980) apresenta a história de uma família isolada em um hotel,
do qual o pai Jack Torrance (Jack Nicholson) foi contratado para tomar conta
enquanto está fechado durante inverno. Porém, o lugar esconde um terrível
passado.
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O Iluminado |
O filho pequeno Daniel "Danny" Torrance (Danny Lloyd), mais
perceptível que os pais, começa a ter visões sanguinolentas e assombrosas pelos
corredores, enquanto que Jack cada vez mais tem indícios de que está
enlouquecendo. A cena em que aparecem as irmãs gêmeas assassinadas foi considerada
uma das cenas mais aterrorizantes da história do cinema. A enorme onda de sangue
jorrando pelo elevador exala o sentimento de horror. Kubrick utiliza o hotel
como base de inúmeras interpretações e sentidos ao fazer os personagens
passarem por certas situações e diálogos. Segredos e mortes ocultadas numa
imensidão de hipocrisia e mentira, que podem transformar do mais bom homem o
mais cruel psicopata. Jack Torrance torna real o sentimento de desespero por
ser a personificação de que não há ninguém a que se possa confiar totalmente. A
breve cena surreal do homem vestido de urso fazendo sexo oral em um hóspede
evidencia que se acabou a inocência e pureza no local, cedendo espaço para a
promiscuidade, violência exacerbada, imoralidade.
Estes filmes
contemporâneos que são (totalmente ou em partes) surrealistas não tem intenção
de focar na mensagem para que seja captada diretamente, mas sim que o
espectador contrua leituras em seu subconsciente. Sendo assim, a obra exige uma
ambição intelectual mais elevada. Uma desejo maior de provocar, promovendo
sentimentos e pensamentos, ou simplesmente de experimentar, quebrando regras e paradigmas.
Texto: Helena Bianchi Góes
Edição de imagens: Isabela Bandeira Saciotti
1 comentários:
ótimos exemplos.
(obs: perceptível?)
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