quarta-feira, 15 de maio de 2013

O surreal contemporâneo



O surrealismo hoje no cinema já não é mais tão frequente e claro quanto era antes nas décadas de 20 e 30, porém vários filmes contemporâneos ainda contêm elementos e manifestações que remetem ao movimento. Um deles é Donnie Darko (2001), em que o personagem principal é um adolescente de 17 anos com problemas emocionais e distúrbios psicológicos não muito distantes de esquizofrenia. A trama começa na noite em que, inexplicavelmente, uma turbina de avião cai diretamente sob seu quarto. Ele escapa por pouco da morte e começa a ter visões de Frank, um coelho com uma aparência pertubadora, que tem a altura de um ser humano.


Donnie Darko
O mesmo predita a data do fim do mundo (que seria nada mais nada menos que 28 dias depois) e Donnie a partir disso segue pistas para saber mais sobre o mistério do tempo, da vida e da morte. O diretor Richard Kelly não deixa afundar nos clichês de um drama juvenil. Ao invés disso, faz um retrato realista da classe média norte-americana intercalado com cenas surreais, abordando a viagem temporal. Donnie Darko é um quebra-cabeça e pode ser interpretado sob diferentes formas, pois por mais que o diretor tenha exposto suas explicações a respeito do assunto, deixou brechas para nossa interpretação pessoal. Somos levados a nos perguntar, por exemplo, se as visões de Donnie são consequentes de sua paranóia ou se ele está de fato vivendo tudo aquilo. É recheado de elementos subliminares, conexões entre personagens e teorias metafísicas.  O filme não segue uma estrutura linear, e assim faz com que o espectador viaje pelas vozes, músicas, significados e formas (como projetções aquosas que saltam do peito de Donnie), que transmitem sentimentos tristeza, desconforto e angústia. Não foi um sucesso de bilheteria, mas acabou sendo muito bem avaliado pela crítica mundial e entrou para o hall dos filmes cult. 

Império dos Sonhos (2006) é o mais recente, e talvez mais perturbador, trabalho do cineasta David Lynch, que é conhecido por trabalhar com o surrealismo.  Foi apresentado no Festival de Veneza no mesmo ano em que foi lançado e Lynch foi premiado com um Leão de Ouro. Ao ser questionado sobre do que se trata o filme, ele responde apenas: “é a história de uma mulher com problemas”. Laura Dern interpreta Nikki, que embora casada com um magnata, está em baixa. Ela finalmente consegue um papel de prestígio, mas a produção é uma refilmagem de um roteiro polonês que não chegou a ser concluído. Era supostamente amaldiçoado, pois o casal de protagonistas foi assassinado. O mesmo fado é destinado à Nikki ao se envolver e ter um caso com Devon (Justin Theroux), seu parceiro de cena. Ela começa a se confundir com sua personagem e se desdobra também numa prostituta casada com um homem abusivo. O diretor expõe na tela devaneios que margeiam o limite entre a sanidade e a loucura.

Império dos Sonhos
É dispensado noções estabelecidas de sentido e narrativa e propõe que sejam buscados não por meios racionais, mas por intermédio de sensações e impressões. Ele deixa à critério do espectador as conclusões sobre a obra, entretanto procurar uma explicação racional para cada detalhe é diminuir uma experiêcia metafísica que o filme pode proporcionar. Como não havia um roteiro pronto, ele e os atores trabalhavam conforme a inspiração que ia aflorando no momento. Esta, por mais que fosse desconexa com o que já havia feito, depois conseguia de algum modo se unir com as demais. Assim, se torna uma experiência ainda mais extrema que seus filmes anteriores (Cidade dos Sonhos e Estrada Perdida) e que de maior dificuldade para compreensão do público. Afinal, nem mesmo o Lynch sabe ao certo quantos personagens a atriz Laura Dern interpretou. 



De Olhos Bem Fechados
Kubrick também utiliza alguns elementos surrealistas. Ele conta em seu último filme – logo depois do lançamento o diretor veio a falecer – De Olhos Bem Fechados (1999) a história de Bill Harford (Tom Cruise), que é casado com a curadora de arte Alice (Nicole Kidman). Ambos vivem o casamento perfeito até que, logo após uma festa, Alice confessa que sentiu atração por outro homem no passado e que seria capaz de largar Bill e sua filha por ele. A confissão deixa o protagonista abaladado. Sem rumo,  sai pelas ruas de Nova York assombrado com a imagem da mulher nos braços de outro. Em busca de uma aventura sexual, ele acaba em meio a uma reunião secreta em uma mansão afastada, onde ocorriam grandes orgias. A partir do momento em que o culto começa, instaura-se uma atmosfera surrealista, principalmente pela música, pelo cenário de cores fortes e as máscaras enigmáticas, que transmitem juntamente aos corpos nus a luxúria  e os outros sentimentos que a envolve. Entretanto, não foi o primeira obra deste diretor a conter elementos do movimento artístico em questão. O Iluminado (1980) apresenta a história de uma família isolada em um hotel, do qual o pai Jack Torrance (Jack Nicholson) foi contratado para tomar conta enquanto está fechado durante inverno. Porém, o lugar esconde um terrível passado.


O Iluminado
O filho pequeno Daniel "Danny" Torrance (Danny Lloyd), mais perceptível que os pais, começa a ter visões sanguinolentas e assombrosas pelos corredores, enquanto que Jack cada vez mais tem indícios de que está enlouquecendo. A cena em que aparecem as irmãs gêmeas assassinadas foi considerada uma das cenas mais aterrorizantes da história do cinema. A enorme onda de sangue jorrando pelo elevador exala o sentimento de horror. Kubrick utiliza o hotel como base de inúmeras interpretações e sentidos ao fazer os personagens passarem por certas situações e diálogos. Segredos e mortes ocultadas numa imensidão de hipocrisia e mentira, que podem transformar do mais bom homem o mais cruel psicopata. Jack Torrance torna real o sentimento de desespero por ser a personificação de que não há ninguém a que se possa confiar totalmente. A breve cena surreal do homem vestido de urso fazendo sexo oral em um hóspede evidencia que se acabou a inocência e pureza no local, cedendo espaço para a promiscuidade, violência exacerbada, imoralidade.

Estes filmes contemporâneos que são (totalmente ou em partes) surrealistas não tem intenção de focar na mensagem para que seja captada diretamente, mas sim que o espectador contrua leituras em seu subconsciente. Sendo assim, a obra exige uma ambição intelectual mais elevada. Uma desejo maior de provocar, promovendo sentimentos e pensamentos, ou simplesmente de experimentar, quebrando  regras e paradigmas.




Texto: Helena Bianchi Góes
Edição de imagens: Isabela Bandeira Saciotti

1 comentários:

Unknown disse...

ótimos exemplos.
(obs: perceptível?)

Postar um comentário