Como a identidade cultural influencia na recepção da crítica e na visão do espectador
Em entrevista, o fundador da Academia de Artes Cênicas Cena Hum de Curitiba-PR, George Sada, diz que o que mais chamou a atenção foi o status social marcado no figurino, voltando sua atenção para a produção técnica. “Pra muita gente pode ter sido cansativo, mas o filme foi um musical do início ao fim, foi transportado para as telas e isso é uma riqueza de linguagem artística”.
Assim como brasileiros, os norte americanos concentram suas análises nas escolhas do diretor em relação a parte artística. Lou Menick (New York Post), aponta como falha a filmagem, “o pior de tudo é quando Hooper repetidamente prende seus atores em apertados closes durante os números musicais, praticamente empurrando a câmera nos cantores” (tradução livre). Manohla Dargis (New York Times) destaca o cuidado com a direção de arte, afirma que o filme retoma um aspecto familiar e histórico contando uma lenda de redenção e liberdade. Para a socióloga Rosita Loyola, ao mostrar a busca pela liberdade, o filme traz à tona um dos ideais mais antigos e presentes na cultura americana. “Eles (os americanos) acreditam na idéia de liberdade acima de tudo e isso está presente no filme, mas talvez por não ser uma história que aconteceu nos Estados Unidos, não tenha tido tanta expressividade na premiação do Oscar”. Rosita afirma que a identidade cultural de um povo se faz presente ao assistir um filme, e que o espectador gosta de ver ideais e contextos com os quais se identifica. É notável a diferença de recepção de acordo com o local de origem da critica, enquanto norte americanos e brasileiros focam suas atenções a parte técnica e de produção, europeus se preocupam em como a história que lhes diz respeito foi retratada.
A identidade cultural e histórica dos franceses em relação a este fato é mais marcante do que a de qualquer observador externo. Em relação aos franceses, Rosita Loyola comenta que eles se identificam muito com o heroísmo, por isso as críticas focaram na representação da obra de Victor Hugo. De acordo com os franceses, a diferença entre ricos e pobres no século XIX e a força da Revolução Francesa, que são os assuntos de destaque abordados por Victor Hugo em sua criação original, são representados no filme de forma superficial e as músicas não tiveram o tamanho que mereciam. O site francês EcranLarge , por exemplo, classificou como um desastre do início ao fim o filme de Tom Hooper. “Fere os olhos e faz sangrar os ouvidos. 02h30min de sofrimento salvo (apenas) por Anne Hathaway. Quanto à realização de Tom Hooper, é um desastre do início ao fim”. O crítico italiano Paolo Mereghetti, (Corriere della Sera) afirma que apenas a rebelião dos jovens e a perseguição Valjean X Javert ficam claras no decorrer do filme. “Toda a ambição de Victor Hugo em contar “tudo sobre o bem e o sobre o mal”, se reduz a esses dois focos”, afirma.
Conheça um pouco mais sobre a obra Les Misérables de Victor Hugo:
A obra retrata a França do século XIX, mais especificamente no período entre a Batalha de Waterloo (1815) e os motins de junho de 1832. A vida de Jean Valjean é apresentada desde o momento em que ele, condenado por roubar um pão, consegue sua liberdade até a sua morte. Tudo isso dividido em cinco volumes: I – Fantine, II – Cosette, III – Marius, IV - Idílio da Rua Plumet e epopeia da Rua Saint-Denis e V – Jean Valjean.
Cada volume conta também a história de outros personagens, como: Fantine, Cosette, a família Thénardier (o casal e os filhos, entre eles Eponine e Gavroche), Marius Pontmercy, Enjolras e Javert.