quarta-feira, 20 de março de 2013

Pelo direito de ser

Como o homossexual é representado no cinema e na mídia

De "Café com Leite" (You, Me and Him)

Em tempos de protestos físicos e virtuais que reinvindicam o simples direito de “ser”, a reflexão sobre como o homossexual é representado pela mídia se faz cada vez mais necessária. Já que esta, como formadora de opinião, tem grande papel na construção e desconstrução de preconceitos.

No cinema, o personagem homossexual está presente desde seu início, quando Thomas Edison fazia suas experimentações cinematográficas em 1895. O intitulado "The Gay Brothers" (em português, "Os Irmãos Gays") apresenta dois homens dançando ao som de um violino. Insinuações com a temática gay já podiam ser encontradas em produções de Charles Chaplin, como em “Behind the Screen” (1916) e em alguns curtas de O Gordo e o Magro, considerado por muitos como um casal. Contudo, o cinema perdeu grande parte de sua liberdade artística nos anos 30, quando foi implementado o Código Hays, que condenava o aparecimento de qualquer situação que fosse considerada obscena (inclusive beijos de língua). Embora o termo “homossexual” não fosse utilizado, era enquadrado nas proibições. O código recebeu grande apoio da Igreja Católica e foi adotado pela MPAA (Motion Picture Association of America), sendo alterado apenas em 1968 (é usado até hoje). 



Marcela Lorenzoni, jornalista que desenvolveu o projeto de pesquisa “A representação feminina na mídia televisiva e fotográfica”, aborda a representação de lésbicas e critica as caracterizações presentes em nosso país. “A mídia brasileira ainda está bastante presa a estereótipos - o gay afeminado, bem vestido, meio histérico, que aparece em segmentos de humor. Era o caso do Crô, que fez tanto sucesso na novela Fina Estampa. Ele era uma caricatura, um 'gay' antes de uma 'pessoa'. A lésbica, quando aparece - o que é raro -  costuma ter a postura bem masculinizada também”, explica.

O personagem homossexual, durante muitos anos, foi estereotipado como cômico. Aparecia como um respiro para as histórias: trazia apenas risadas e nenhuma reflexão. Como é o caso de “Quanto Mais Quente Melhor” (1959), musical estadunidense em que dois homens, ao testemunharem um assassinato pela máfia, se disfarçam de mulheres e se unem a um grupo musical feminino juntamente a Marilyn Monroe para manterem suas vidas. Um deles encontra o amor na figura de um homem milionário. No entanto, o romance aparece em forma de comédia.

Marcela acredita que o simples fato do tema ser abordado já é um avanço. “Os homossexuais podem não estar sendo representados da forma ideal, mas pelo menos estão lá. Ainda falta aprofundar esses personagens e não transformá-los nem em vítimas diárias, nem em palhaços, mas trazê-los com um enfoque diferente”.

Daniel Ribeiro é diretor dos curtas “Eu Não Quero Voltar Sozinho” e “Café com Leite”. Recentemente, está em fase de produção do longa “Todas as Coisas Mais Simples”. Formado pela ECA-USP, dedicou-se a trabalhar com a temática LGBT. “Por muito tempo, os personagens gays ficaram restritos ao estereótipo, o que reforçava muito o preconceito. Hoje em dia, temos uma quantidade enorme de filmes com temática e personagens LGBT que quebram essa ideia de um tipo específico do gay ou da lésbica. Um dos objetivos nos meus filmes era refletir essa diversidade, mostrando como a sexualidade é apenas mais uma das muitas características das pessoas”, comenta Ribeiro.

Cena de "Eu Não Quero Voltar Sozinho"
Nos curtas de Daniel Ribeiro, a sexualidade é apresentada de forma natural e não como o foco principal da trama. Os personagens vivem conflitos universais que trazem identificação com diversos públicos, como a perda de familiares em “Café com Leite” ou o cotidiano de um jovem com deficiência visual e a própria adaptação às suas escolhas pessoais.

Ricardo Dantas, acadêmico de Ciências Políticas da Facinter, vê nessa forma de caracterização um instrumento de conscientização social. "O público do curta é jovem que ainda não tem preconceito enraizado. Se é exposto um relacionamento homossexual suave e bonito como no Eu Não Quero Voltar Sozinho, a visão que generaliza e liga todos os relacionamentos homossexuais à perversão vai perdendo força. Até em quem já tem o preconceito enraizado, a publicidade dos relacionamentos ‘normais’ entre duas pessoas do mesmo sexo tem efeito positivo", afirma Dantas.

O diretor Daniel Ribeiro acredita que a linguagem cinematográfica tem muito a contribuir para a construção de uma sociedade tolerante. “Eu tento abordar o tema de uma forma que possa fazer a mente mais conservadora parar para pensar. Tento retratar a descoberta do amor e da sexualidade da forma mais natural possível. Assim, talvez, os preconceitos sejam questionados”, diz.

Top 3
Filmes com temática homossexual 



Má Educação (2004)
O filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar, conta a história de dois meninos, Ignacio e Enrique, que conhecem o amor, o cinema e o medo num colégio religioso no início dos anos 60.



Milk (2008)
Com direção de Gus Van Sant, é baseado na vida do político e ativista gay Harvey Milk - o primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo público no estado da Califórnia, comandando campanhas nacionais pelos direitos dos gays.


Madame Satã (2002)
Retrato do célebre transformista João Francisco dos Santos, vivido por Lázaro Ramos. Malandro, presidiário, pai adotivo de sete filhos, homossexual  (conhecido como "Madame Satã") e lendário boêmio da Lapa.







Texto: Hellen Rocha de Albuquerque
Edição de texto: Isabela Bandeira
Edição de imagem: Isabela Bandeira
Imagens: Reprodução

1 comentários:

Thiago disse...

Me emocionei muito com o curta do Daniel, e estou esperando com muita ansiedade o longa. Mesmo.
E acho que é esse o caminho, lidar com naturalidade quando o assunto é sexualidade, principalmente LGBT, e aos poucos os preconceitos vão caindo sozinhos.

PS: perca -> perda (só pra você alterar).

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