sábado, 21 de setembro de 2013

Em questão da relevância de gêneros

A sexualização de personagens femininas no cinema é evidente. Valorização de curvas, sex-appeal e de todo um potencial sexual da mulher, de forma geral, são representados por personagens que permanecem no imaginário do público em forma de Mulher Maravilha, Mulher Gato e diversas outras que se tornam ícones de filmes de ação. São destemidas, corajosas, bem resolvidas, belas e possuem qualidades que qualquer mulher moderna deveria possuir. No entanto, esse “padrão feminino” de qualidade tem alguma relevância nas histórias contadas pela indústria do cinema? Essas personagens são, de fato, relevantes?

No mais, essas dúvidas se massificam quando há uma comparação dessas “heroínas” com heroínas que já conhecemos em produções brasileiras e que não seguem tal estereótipo. Zuzu Angel, Dora (de Central do Brasil) e Lisbela são algumas das personagens que marcaram o imaginário cinematográfico brasileiro e que conquistaram o público não pela sua forma sexual, mas por sua relevância no enredo. Tais personagens teriam mesma relevância caso fossem interpretadas por homens? Sandro Luis Fernandes, sociólogo e professor de Sociologia do Colégio Dom Bosco, afirma que a indústria cultural busca valorizar personagens femininas através de uma lógica comercial. Para ele, são poucas as personagens que tentam quebrar o machismo, exemplificando a Mulher Gato como uma delas. “Temos que considerar indústria cinematográfica como estúdios de Hollywood ou Globo Filmes. Então, estaremos falando de indústria cultural. Penso que, nesse tipo de produção, as mulheres normalmente têm um papel que não questiona a estrutura social. Muito frequentemente submissas ou sexualizadas”, diz. “Quando diretoras – mulheres – produzirem mais, haverá um equilíbrio maior nas representações”.

Paulo Biscaia Filho, professor da Faculdade de Artes do Paraná e diretor cinematográfico da empresa Vigor Martins, discorda dessa posição.  Biscaia não vê a escolha de gêneros para personagens como um ponto de partida, mas o valor da história a ser contada. “Tivemos filmes de ação com mulheres, alguns com aceitação melhor, outros nem tanto. São histórias verdadeiramente humanas? Não acredito em segmentação por gênero, raça, nacionalidade, etc. Acredito em bons filmes. Não importa se ele é protagonizado por um ator ou uma atriz”. O diretor vê a indústria cultural cumprir o seu papel em um mundo escapista, que vende corpos perfeitos e sonhos, os quais o público aceita com maior facilidade. “A mulher é sexualizada quase sempre e, algumas vezes, o homem também é. Achei muito interessante a sexualização do corpo de Daniel Craig em 007 Cassino Royale”, diz. “Os padrões de beleza vigentes ou, por vezes, estabelecidos pela própria indústria sempre estarão presentes como parte deste universo escapista”.

Dora, personagem de Fernanda Montenegro
em "Central do Brasil"
Biscaia comenta, ainda, que a discussão é irrelevante para ele. Ele afirma que, em suas produções, a decisão por personagens masculinos ou femininos não é tão importante quanto a relevância do enredo. Diferentemente da indústria cultural, ele enxerga a todos como humanos. “As escolhas doas personagens são unissex. Mulheres erram como homens erram. Mulheres têm virtudes como homens têm virtudes. Como nos relacionamos entre pessoas me interessa mais do que como nos relacionamos entre grupos estatísticos distintos”, diz.

Para o estudante de História de 21 anos, André Felipe Moreira da Silva, a discussão não deve ser esquecida, porque ela é vista como algo aceitável dentro da indústria cultural e os consumidores de tal. André atua em projetos sociais relacionados à violência contra a mulher e afirma que a visão masculina em torno de personagens femininas não se restringe aos meios hollywoodianos. “Esse estereótipo de mulher moderna pode ser analisado através da percepção machista de que a mulher é, e sempre será, um objeto de prazer submisso ao homem, independe das suas capacidades físicas”.

A indústria cultural, porém, não se restringe ao universo de curvas poderosas e mulheres que dependem, nem que infimamente, do universo masculino para que o enredo de qualquer história seja relevante. A cartunista americana Allison Bechdel propôs uma reflexão ao público com o teste pelo qual batizou de “Teste Bechdel”. Para fugir da naturalidade de certos paradigmas como ‘por que maioria dos personagens centrais de filmes são brancos?’ ou a falta de protagonistas mulheres, o teste propõe uma pequena reflexão ao público que vai ao cinema assistir lançamentos. O Bechdel Test mede a relevância e a presença de personagens femininas nos filmes a partir de três questões:
O filme contém:

1. Pelo menos duas mulheres com nomes?
2. Que conversam entre si?
3. Sobre coisas que não sejam um homem?

Um dos quadrinhos feitos por Allison em relação ao Teste Bechdel

Na última edição do Comic Con, Allison afirmou que o questionamento não é uma prática feminista de avaliar se o machismo ainda é presente na sociedade, etc. Para ela, muitos filmes voltados ao público feminino não são “aprovados” no teste, porque as personagens não possuem relevância alguma na história a não ser sua ocupação com outros personagens masculinos.

Em suma, fica a questão: em uma sociedade cinematográfica tão democrática, que oferece inúmeras formas de produção, interpretações e enredos, a relevância de personagens femininas ainda se restringe ao conteúdo sexual, que segue estereótipos de uma indústria cultural?

Agência Caleidoscópio para o blog Cineacademia
Por Helena Bianchi Góes e Isabela Bandeira

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