A sexualização
de personagens femininas no cinema é evidente. Valorização de curvas,
sex-appeal e de todo um potencial sexual da mulher, de forma geral, são
representados por personagens que permanecem no imaginário do público em forma
de Mulher Maravilha, Mulher Gato e diversas outras que se tornam ícones de
filmes de ação. São destemidas, corajosas, bem resolvidas, belas e possuem
qualidades que qualquer mulher moderna deveria possuir. No entanto, esse “padrão
feminino” de qualidade tem alguma relevância nas histórias contadas pela indústria
do cinema? Essas personagens são, de fato, relevantes?
No mais, essas
dúvidas se massificam quando há uma comparação dessas “heroínas” com heroínas
que já conhecemos em produções brasileiras e que não seguem tal estereótipo.
Zuzu Angel, Dora (de Central do Brasil) e Lisbela são algumas das personagens
que marcaram o imaginário cinematográfico brasileiro e que conquistaram o
público não pela sua forma sexual, mas por sua relevância no enredo. Tais
personagens teriam mesma relevância caso fossem interpretadas por homens? Sandro
Luis Fernandes, sociólogo e professor de Sociologia do Colégio Dom Bosco,
afirma que a indústria cultural busca valorizar personagens femininas através
de uma lógica comercial. Para ele, são poucas as personagens que tentam quebrar
o machismo, exemplificando a Mulher Gato como uma delas. “Temos que considerar
indústria cinematográfica como estúdios de Hollywood ou Globo Filmes. Então,
estaremos falando de indústria cultural. Penso que, nesse tipo de produção, as
mulheres normalmente têm um papel que não questiona a estrutura social. Muito
frequentemente submissas ou sexualizadas”, diz. “Quando diretoras – mulheres –
produzirem mais, haverá um equilíbrio maior nas representações”.
Paulo Biscaia
Filho, professor da Faculdade de Artes do Paraná e diretor cinematográfico da
empresa Vigor Martins, discorda dessa posição. Biscaia não vê a escolha de gêneros para
personagens como um ponto de partida, mas o valor da história a ser contada. “Tivemos
filmes de ação com mulheres, alguns com aceitação melhor, outros nem tanto. São
histórias verdadeiramente humanas? Não acredito em segmentação por gênero,
raça, nacionalidade, etc. Acredito em bons filmes. Não importa se ele é
protagonizado por um ator ou uma atriz”. O diretor vê a indústria cultural
cumprir o seu papel em um mundo escapista, que vende corpos perfeitos e sonhos,
os quais o público aceita com maior facilidade. “A mulher é sexualizada quase
sempre e, algumas vezes, o homem
também é. Achei muito interessante a sexualização do corpo de Daniel Craig em 007
Cassino Royale”, diz. “Os padrões de beleza vigentes ou, por vezes, estabelecidos
pela própria indústria sempre estarão presentes como parte deste universo
escapista”.
Dora, personagem de Fernanda Montenegro em "Central do Brasil" |
Biscaia comenta,
ainda, que a discussão é irrelevante para ele. Ele afirma que, em suas
produções, a decisão por personagens masculinos ou femininos não é tão
importante quanto a relevância do enredo. Diferentemente da indústria cultural,
ele enxerga a todos como humanos. “As escolhas doas personagens são unissex.
Mulheres erram como homens erram. Mulheres têm virtudes como homens têm
virtudes. Como nos relacionamos entre pessoas me interessa mais do que como nos
relacionamos entre grupos estatísticos distintos”, diz.
Para o estudante
de História de 21 anos, André Felipe Moreira da Silva, a discussão não deve ser
esquecida, porque ela é vista como algo aceitável dentro da indústria cultural
e os consumidores de tal. André atua em projetos sociais relacionados à
violência contra a mulher e afirma que a visão masculina em torno de
personagens femininas não se restringe aos meios hollywoodianos. “Esse estereótipo
de mulher moderna pode ser analisado através da percepção machista de que a
mulher é, e sempre será, um objeto de prazer submisso ao homem, independe das
suas capacidades físicas”.
A indústria
cultural, porém, não se restringe ao universo de curvas poderosas e mulheres
que dependem, nem que infimamente, do universo masculino para que o enredo de
qualquer história seja relevante. A cartunista americana Allison Bechdel propôs
uma reflexão ao público com o teste pelo qual batizou de “Teste Bechdel”. Para
fugir da naturalidade de certos paradigmas como ‘por que maioria dos
personagens centrais de filmes são brancos?’ ou a falta de protagonistas
mulheres, o teste propõe uma pequena reflexão ao público que vai ao cinema
assistir lançamentos. O Bechdel Test mede a relevância e a presença de
personagens femininas nos filmes a partir de três questões:
O filme contém:
1. Pelo menos duas mulheres com nomes?
2. Que
conversam entre si?
3. Sobre coisas que não sejam um homem?
Um dos quadrinhos feitos por Allison em relação ao Teste Bechdel |
Na última edição
do Comic Con, Allison afirmou que o questionamento não é uma prática feminista
de avaliar se o machismo ainda é presente na sociedade, etc. Para ela, muitos
filmes voltados ao público feminino não são “aprovados” no teste, porque as
personagens não possuem relevância alguma na história a não ser sua ocupação
com outros personagens masculinos.
Em suma, fica a
questão: em uma sociedade cinematográfica tão democrática, que oferece inúmeras
formas de produção, interpretações e enredos, a relevância de personagens
femininas ainda se restringe ao conteúdo sexual, que segue estereótipos de uma
indústria cultural?
Agência Caleidoscópio para o blog Cineacademia
Por Helena Bianchi Góes e Isabela Bandeira
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